Não estive lá, quem esteve foi o mano que me trouxe um exemplar do belo livro, "objecto" cozinhado a partir do seu poetar por estas paragens. A festa de lançamento foi, segundo as testemunhas presenciais, notável. O livro, que comecei a ler em lume brando, é, para já, uma delícia.
Tenho uma mesa grande de exterior onde deixo os meus objectos de leitura e de escrita, telefones e máquina fotográfica. No intervalo das canseiras da lavoura pego no termo do café, abro uma página, leio aos goles pequeninos, observo a paisagem por entre o arvoredo, oiço o miar do Fofinho, que gosta de festinhas e de ouvir poesia, e sonho. Depois volto ao trabalho, compatibilizado com a vida.
Força Licínia, não pares.
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sábado, 22 de novembro de 2008
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Transcrições de textos antigos: Fevereiro de 2006 a Novembro de 2007.
Ahi quanto a dir qual era e cosa dura...
(14 de Fevereiro de 2006)
No início, era apenas um amontoado de matagal, desorganizado, sombrio, atulhado de espécies silvestres inóspitas, que não apresentava outras referências que não a escassamente entrevista marcha milenar do Sol.
Ano e meio passado, havíamos já desbastado, com o trabalho dos sábados, silvas com caules da grossura de um pulso, vinhedo espontâneo, tentacular e trepador, e roseiras bravas, que floriam na Primavera como um manto branco sobre as árvores; havíamos sulcado os primeiros caminhos - referências outras que não a marcha milenar do Sol!
A certa altura apareceram as primeiras formas, quadrículas rigorosamente uniformizadas, curvas
suavizadas, limites, sentidos - uma mão cheia de utilidades e significados, onde antes houvera apenas esquecimento.
Ano após ano, foram aparecendo as cores, uma tela de matizes fortes, um pontilhado de tons certeiros e contrastes acentuados.
Recentemente, obra de um projecto de engenharia arrojada que quase dava desastre financeiro, brotou a água, jorrando barrenta, espumosa, gorgolejante. E foram construídos o laguinho, o charco, o areal.
[...]
O dia passa-se bem, mas depressa. Vem o pôr-do-Sol com a sua beleza majestosa e serena, onde irradiam ao mesmo tempo a luz e a escuridão. A noite, carinhosamente, recobre todas as coisas com o seu manto de escuridão. Ouve-se mais intensamente a presença dos insectos e dos pássaros nocturnos.
Este ano fizemos lá casa. Já dá para passar o fim de semana.
Deixem-me, então, explicar como tudo começou:
Estava um pouco na moda ainda. A ideia resumia-se a comprar a preço de saldo um relativamente extenso terreno ... no Alentejo. “Então, já compraste o teu monte?” - tornou-se o cumprimento habitual daquela época. Conforme cumpria à monotonia do assunto, a parte informativa da conversa resumia-se à distância a Lisboa, ao número de hectares da propriedade, ao estado da estrada que levava ao casario em degradação, ao ter ou não ter poço. Escalar a compra de uma série de bugigangas com terminação habitual em “or”, como o gerador, o tractor e quejandos, era o sintoma daquela doença denunciada por Eça e que consiste em levar todo o conforto da Cidade para as Serras.
É ponto assente que muita gente das nossas relações já tinha comprado o seu monte no Alentejo. Possuir um monte conduzia de imediato àquele estado de espírito de quem já plantou uma árvore, escreveu um livro ou fez um filho. Embora tivéssemos feito um filho (eu já ia, em bom rigor, no terceiro), e a minha mulher tivesse escrito um livro, pesava-nos no nosso ser mais íntimo aquela falha original de não ter um monte no Alentejo.
Ouvia dizer que os montes para comprar já escasseavam no Alentejo. Haver, havia. Mas não como fora antigamente, aos preços da uva mijona...
Voltei toda a minha atenção para um terreno na Beira Alta com o requisito de ter uma casinha toda de granito, com dois andares, a adega com lagar e largos tonéis e a vasta cozinha com forno e lareira no piso térreo, rodeada do palheiro, da pocilga, dum estábulo para as cabritas ou ovelhas. À frente e aos lados, a vinha, uma pequena horta e árvores de fruta, com uns poços e pequenos estanques cheios de rãs a coaxar a coberto do lodo verde e viscoso. Na planície à frente da casa, até ao rio flanqueado por choupos e ulmeiros, um vasto terreno para cultivar milho e feijão de sequeiro. Nas traseiras, um pinhal frondoso a alargar-se pelos montes acima até ao horizonte. À noite, haveria de ouvir à luz das estrelas a cantata dos grilos e das cigarras.
Não era invenção: a imagem veio-me da infância, do que me resta das memórias de há meio século da casa dos meus avós maternos. Procurei ainda, com a ajuda da prima Ilda. Mas nada apareceu que correspondesse à imagem que me ficara da infância. Os preços reflectiam os custos da interioridade. E ficava longe! Quando a distância da viagem aumenta, diminui a duração da permanência, aumentam as despesas de deslocação, reduz-se a frequência das visitas e aumenta o custo da manutenção: triste sobe e desce contabilístico em que, somados os inconvenientes, se vêm sumidos os benefícios.
Alternativas não faltavam desde que, obviamente, não fosse o Ribatejo: planícies extensas com toiros e campinos, toiradas e marialvismo? Nunca na vida!
Acontece que o mano Luís tinha descoberto, na variante da EN 114 que leva do Cartaxo a Rio Maior, lá para uns recônditos cantos do concelho de Santarém, umas antigas vinhas retalhadas por heranças no meio de uns pinhais muito aprazíveis. Encarregou-se de arregimentar uns quantos amigos com pé de meia e lá compraram uns quantos terrenos em que se fixaram. Com o tempo, (prometo que voltarei a este assunto mais tarde) foram implantando as infra-estruturas indispensáveis a um mínimo de comodidades – electrificação, canalização de água, arranjo de caminhos, iluminação, caixas de correio – e lançaram-se na construção das suas próprias moradias.
Bem me aliciou, mas o que vi não me agradou: ou porque o terreno era grande demais, ou demasiado reduzido, ou porque lhe passava em cima uma linha de alta tensão.
Passou-se algum tempo e acho que o Luís já não alimentava grandes esperanças de que alguma vez pudesse vir a interessar-me por Vale de Moinhos, nome que, segundo rezava nos mapas antigos, era dado àquele pedaço de terras. Foi nesse estado de espírito que me falou de um terreno, há muito deixado ao abandono, lá para os limítrofes da zona em questão, e que, estando tão afastado da mão do homem como do pensamento de deus, se tinha convertido num emaranhado novelo de silvas. Anuí. E fui.
”Emaranhado novelo de silvas” não é figura de retórica. Qualquer ponta por onde se lhe pegasse, qualquer rarefacção de matéria que permitisse a passagem de um homem, haveria de o lancetar várias vezes na face, nas mãos, nas pernas, em qualquer parte do corpo menos protegida por vestuário resistente. Aprendi mais tarde que trabalhar ali só de botas, com calças e com luvas de pele de porco, que apesar de extremamente resistentes estariam feitas num fanico em menos de um ano.
À margem do silvedo havia uma estreita nesga de terreno orientada de sul para norte com um capim tão alto que haveria de encobrir qualquer animal, presa ou predador, de África. Em suma, já que tanto obstáculo se interpunha entre o olhar e o objecto a ser visto – o terreno – havia que recorrer, para o ver, ao olhar da imaginação.
É indescritível o que vi. Não sei se o Luís me ouviu balbuciar: “é este!”.
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Porquê tremontelo?
(19 de Julho de 2006)
Porquê tremontelo? É a pergunta que muitas amigas e amigos me fazem.
De cada vez que surge a pergunta, respondo. Direi com verdade que a resposta é sempre a mesma, sendo sempre diferente.
Poderão pensar: "que snob! a recorrer à antítese só para épater le bourgeois". Mas em rigor não é por aí que passa a snobeira. Reflectindo um pouco, uma resposta não é (não é sempre, ou não será a maioria das vezes) uma proposição a que se possa afectar um valor lógico. A resposta é da natureza da comunicação, e não do conhecimento. Ou seja, tem duplamente a ver com o destinatário (o emissor da pergunta) e com a mensagem. A mensagem, cujo conteúdo, no caso em apreço, se reporta a uma situação de facto, faz com que a resposta seja sempre a mesma; o destinatário irá ter, como merece, uma resposta adequada à sua expectativa. Porque, diga-se a verdade custe o que custar, para cada pergunta que se faz, conforme o perguntador, só aceita uma parte das respostas válidas recusando as demais.
Daí, o acerto em ter dito que a resposta é sempre a mesma, sendo sempre diferente. Mas, agora que ninguém perguntou, surge a pergunta, direi melhor a questão - que não soa da mesma maneira ser perguntado ou ser inquirido - de saber "porquê o tremontelo?". Não sendo uma pergunta feita por alguém em particular, talvez neste caso se justifique dar uma resposta que, ficando a ser para sempre a mesma, não admita variações de si própria. Porque a pergunta assim definida é uma amalgama das perguntas feitas anteriormente, uma espécie de eco uma só vez devolvido das muitas perguntas feitas à boca da caverna onde as essências e aparências se confundem e revelam.
Já foi dito que o caso se reporta a uma situação de facto. Quando é feita uma pergunta sobre algo que aconteceu, a resposta deve assumir o formato de uma estória. Seja, então a resposta à pergunta "porquê o tremontelo?" a narração de uma estória.
"Era uma vez", convém que a estória assim comece, indicando desde logo que se trata de um facto real ocorrido num ponto preciso do tempo e do espaço que a memória já não permite localizar com rigor. Não havendo memória nem registo, não havendo história do caso, portanto, a fórmula vaga faz prevalecer a veracidade sobre a precisão, com o mesmo subtil despacho com que a fórmula forense "e aos costumes disse nada" nos despacha para o ponto seguinte da ordem de trabalhos com a agilidade empresarial do "time to market"!
Era, portanto, uma vez, acho que num sábado. Tinha apanhado azeitona no domingo anterior. Depois de escaldada e retalhada ficara de molho durante a semana com algum sal, rodelas de laranja e alho. Era a primeira vez. E recolhendo não sei que informações desconexas armazenadas nos recônditos do cérebro, entendera que era assim e, caso estivesse enganado, deveria de ser de uma forma muito aproximada.
Segurança de amador, bem certo, mas segurança todavia.
Com uma pontinha de dúvida, sem dúvida, e uma vontade muito grande de aprender. Pois só se aprende quando se confirma o que já se sabe.
Era sábado e lá estava pronto para receber a equipa técnica que iria montar o meu aquecimento a pellets. Apareceram mais ou menos à hora combinada (no Ribatejo há um compromisso muito grande com os horários desde que o intervalo de tolerância seja convenientemente largo). O trabalho ficou um espectáculo e deu tempo para uma conversata pós-laboral à laia de descontração. Os meus companheiros de ocasião eram, um, o patrão, pessoa diferenciada e de conversa desenvolvida, o outro, o empregado, ar mais popular e de quem se espera que faça uns trabalhitos de agricultura ao fim de semana, em terreno próprio ou de empréstimo. Conversa de encomenda, apropriada à maneira particular de cada um. Chega à vez de entreter conversa com o último e disparo: "Tenho ali umas azeitonitas que colhi daquela oliveira" e apontei, "por acaso não sabe como se tratam?".
Se sabia! Com orégãos e erva azeitoneira. "Erva azeitoneira?". Sim, erva azeitoneira. Que ela havia muita ali no Ribatejo, crescia à toa à beira dos sobreiros e em terra barrenta. Mas terra barrenta era o que eu tinha, e sobreiros não me faltavam. Mas não, o meu terreno não era apropriado, tinha que ir não me lembro aonde que por lá havia muita. Que deitava cá um cheiro!
Comecei a fazer contas à vida a ver se me dava jeito ir à procura da erva azeitoneira. Que raio de erva seria?
O homem desapareceu lá para os lados do lago, teria ido aliviar águas longe dos olhares indiscretos da humanidade ali presente. O patrão arrrumava o material na carrinha. Eu acelerava os processos mentais em todas as direccções habituais: o quê, onde, como, quando, ...
Reapareceu radiante. Que sim. Afinal havia erva azeitoneira no meu terreno. Era eu, afinal, detentor de um volumoso macisso de erva azeitoneira. E apontava com o dedo triunfante o frondoso arbusto do meu tomilho.
Mas, homem, isso é tomilho, retorqui-lhe, deitando um balde de água gelada sobre a sua prodigiosa descoberta. Que não. Que sim. Que não, o tomilho é uma coisa que se vende nas mercearias, e isto era espontâneo, era mesmo ali da terra. Que sim, que eu o tinha comprado como tal no garden center num pequeno vasinho e que eu cuidara, depois de transplantado exactamente para aquele sítio.
O homem coçava na cabeça e dizia: "se calhar, será..."
Fiquei intrigado com a descoberta e fui à procura: Google, busca!
Recomendo que vejam os seguintes sítios:
http://somdatinta.blogs.sapo.pt/arquivo/359586.html
Será na realidade o Thymus Zyguis?
Em http://www.mundo.iol.pt/aromaticas/economia-e-financas.empresas/corpoestrutura1.html
descobri que o Thymus Zyguis tem a designação corrente de Tomilho-do-monte. Mas chamou-me a atenção, umas linhas abaixo, o tormentelo (Thymus caespititius). Que nome giro, certamente uma corruptela de tomentelo (de "tomentum", um raminho) contaminada pelo étimo "tormento".
No Prontuário Prático do Português da Galiza descobri :
- tomelo (tomilho), tomelo (tomate em baralhete)
- tomentelho (tomentelo), tomentilho (tomentelho), tormentelo (tormentelho), trementelo (tormentelo), tormentelho (tomentelo), tomentelo (tomelo)
- tominho (tomilho; dim. tomo), Tominho (top.)
Por enquanto, fico-me com a palavra. É sexy. Mais uma razão para não a perder de vista.
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A chuva de este fim-de-semana
(23 de Outubro de 2006)
Foi diluviana. Fustigava o telhado e escorria em catadupa para o chão. Ao abater-se, transportava consigo uma monótona sinfonia de cascata. Só uma temporária mudança no regime do vento introduzia a novidade de umas quantas notas dissonantes. Aconcheguei-me, alisando o edredão, e suspendi a respiração. Era escuro, o que me dava uma oportunidade para continuar a assistir um pouco mais àquela grandiosa abertura operática. Estirei o corpo, saboreando a presença quase dolorosa de cada músculo. Fechei os olhos para me concentrar intensamente. Transcorreu o tempo alternando-se a calmaria e o retomar da precipitação. Veio o dia e a coisa melhorou. Levantei-me e abri as portadas de par em par. Lá fora, nos caminhos do bosque e nas planuras mondadas um extenso lençol de água em que se reflectia o azul do céu e o verde das árvores. A passarada tagarelava. O ar ostentava uma marca de lavado. A terra emitia o odor intenso da palha molhada.
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De novo a aparição
(5 de Dezembro de 2006)
Aqui há tempos, incerto dia que se foi nas folhas rasgadas do calendário, estava a floresta orlada de brancas rosas bravas: a Nascente, as roseiras bravas cobriam a vegetação cerrada dos sobreiros e dos carvalhos; a Poente, a vegetação rala das oliveiras que hoje dão o nome ao beco que aí passa.
Nascia o Sol a querer derreter o manto níveo perfumado e, já cansado o travesso, derramava, do outro lado do campo, uma pálida áurea poalha de luz sobre a olívea brancura. No centro, um frondoso espinheiro alvar (Crataegus oxyacanthia), o pilriteiro como por cá lhe chamam, erigia-se majestoso, em pleno desabrochar da flor que, com a sua brancura refulgente, lhe dá parte do nome. A outra parte vem-lhe dos espinhos de que, segunda a lenda, foi tecida a coroa com a qual Jesus de Nazaré foi entronizado rei dos judeus, trazidos depois por José de Arimateia para as ilhas britânicas.
O espinheiro alvar floresce em Maio e, a partir dos finais de Junho, no coração do verão, cobre-se da sua típica baga escarlate que atrai e endoidece a pipilante passarada. Diz quem estuda esta árvore mágica que as suas folhas, flores e bagas contêm uma variedade de bioflavonóides, como as prociamidinas oligoméricas, a vitexina, a quercetina e hiperósidos responsáveis pela sua acção benéfica sobre um vasto leque de problemas cardiovasculares, como a angina de peito, a aterosclerose, a insuficiência cardíaca e a hipertensão.
[ ... ]
Dies passionis lugubris et dolorosus
(10 de Abril de 2007)
Uma semana em cheio, ali, em acometido corpo a corpo com a terra.
Aos poucos vão resvalando para fora da cabeça os objectos da consciência. E a própria consciência que de si mesma é consciência é como uma placenta que descolou. E o cérebro fica como uma casa desabitada.
Pelo contrário, os músculos retesam, retesam e distendem. A azáfama é múltipla e diversa: afagar a terra, penetrá-la, alimentá-la de composto, abandonar a semente e revolver de novo a terra; mas antes, a monda, a remoção das ervas daninhas, uma a uma com a gentileza sabedora dos dedos, ou a granel com a rudeza da pá ou do sacho; depois, é necessário cuidar da rega, estirar o tubo negro de 16 polegadas de modo a fazer chegar ao ponto desejado um aspersor ou um gotejador. É tudo trabalho de mãos, que calejam, ficam ásperas e são golpeadas.
Ao fim do dia o único pensamento que habita o corpo é uma imensa dor. O sono vem a meio de qualquer coisa e só se interrompe com a chegada dos primeiros raios de luz matinal.
O dia que vem depois soma-se ao anterior e cresce a beleza dos canteiros e a extensão da dor.
Passa a semana repetindo-se diariamente a via sacra. A dor instalada não é ainda a morte nem a descida aos infernos. Por isso vem o domingo da Páscoa e não há ressurreição e subida aos céus. Movimentos verticais são para os deuses que morrem e renascem. Quem pertence às planuras da condição humana, e mantém essa condição em exclusividade, contorce o corpo na horizontal, aconchegando as vértebras, os rins, os pulsos, os tornozelos.
Uma semana em cheio e segue-lhe o regresso. O regresso ao asfalto, ao betão, ao ar quente e pesado, à claustrofobia da casa de cidade, ao escritório, à rotina dos dias cinzentos, cinzentos como os fatos que se enverga, e asfixiantes, como são asfixiantes as gravatas com nó ao pescoço com que simbolizamos a escravidão.
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O regresso do tremontelo
(19 de Junho de 2007)
Depois da colossal asneirada de querer transplantar o tomilho para o jardim em frente da casa, que deu em retumbante insucesso com a morte do frondoso arbusto, lá me apareceu um novo rebento, o que me diz que a coisa não está morta de todo. Tomilho limonado tenho lá disso aos montes. Tomilho ao montes, a rimar com alecrim aos montes, alfazema aos montes, sálvia e outras ervas aromáticas, tudo aos montes. Tomilho é que, enfim! ...
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Do Sítio do Tremontelo até à Grande Cidade
(24 de Julho de 2007)
Levantei-me às seis e meia e fui para o jardim podar as roseiras. Tenho para lá uma profusão de rosas de Santa Teresinha (que diacho de Teresa será esta, a minha querida espanhola exaltada, ou a rata de água benta de Lisieux?). Estas roseiras dão muitas flores pequeninas em cacho, brancas ou com uma suave tonalidade rosada. Quando murcham ficam com uma cor de branco escuro, pendentes e aos magotes. Quando as vejo assim ponho-me a conversar com, à falta de botões, os elásticos do pijama: "o que vocês querem sei eu!" (Com a entoação digna de um gato fedorento palitando a dentuça arrimado a uma esquina de um sítio qualquer). Vou-lhes com a tesoura e dou-lhes uma poda à maneira. O resultado é esplendoroso e, daqui a uma duas semanas, estarão carregadíssimas de botões que irão fogo-de-artificiar até à próxima vindima.
Ao fim da manhã já me tinha amanhado para sair e fui à oficina a Santarém comprar e substituir a escova para o limpa-pára-brisas traseiro. Porque isto do aquecimento global está mesmo a aquecer e a gente já não sabe se vai estar sol ou chuva, calor de rabo ou frio de enregelar.
Vim almoçar a Lisboa e, agora, estou a digerir, não sei se a dobradinha, se o feijão catarino, enquanto matraqueio o teclado com esta conversa que as excelências estão a ler. Como está calor, despi-me todo. Todo não, só a roupa! Porque isto de as pessoas se despirem tem muito que se lhe diga. Por isso o Poeta diz que o poeta é um fingidor. E os meus gatos têm toda a razão: eles acham que os bípedes humanos se vestem de palavras. E com elas escondem a sua nudez...
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Volta a ser notícia o Sítio do Tremontelo
(31 de Julho de 2007)
O Sítio do Tremontelo teve baptismo com pompa e circunstância. Mais a circunstância do que a pompa porque os tempos não estão para esbanjar. Não deu lugar ao descerramento de uma lápide, mas à afixação com cimento-cola de um painel de 6 lindíssimos azulejos. Digo lindíssimos com alguma vaidade, porque a sua execução corresponde exactamente à ideia que fiz deles. Mas vamos por partes, à boa maneira metódica como nos ensinou Descartes (que nessa matéria não errou), porque se estão a acumular num único parágrafo uma diversidade de assuntos.
Quem seguiu com alguma atenção os espécimes plantados nos canteiros deste hortículo blog, por certo topou que há cerca de oito anos descobri um pequeno canto no mundo, completamente desprezado e com ar miserando, que decidi pôr sob a minha protecção e cuidados. Como acontece em todas as histórias de amor, o sedutor virou seduzido.
Hoje, esse terreno tem uma vida própria, já não depende da minha vida. Pelo contrário, a minha vida depende dele.
Sendo um recanto de isolamento, é um recanto de encontros. Tenho lá amigos muitos; ele são gatos, melros, lagartos, cartaxos, cucos, picapaus, cobras, saca-rabos, ouriços, coelhos, perdizes, uma rã, muitos peixinhos e, recentemente, uma poupa. Tudo selvagem, nada de capoeira. Gatos, então, são uma sucessão de figurões com personalidade vincada, com quem tenho conversas apaixonadas, principalmente com o Tigre, um estudioso dos bípedes humanos, muito interessado em conhecer, e sobretudo em compreender, quer a linguagem falada, quer a mente humana e os seus construtos.
Quando regresso à grande cidade vejo os meus concidadãos com outro olhar; melhor, com um olhar outro. Ideologias, mitos, estereótipos, hábitos, condicionamentos, é tudo peneirado no crivo da crítica felina. Seria "cínica", se a atitude crítica fosse canina; chamei-lhe ailúrica, termo que cunhei com base em "ailuros" que, em grego, significa "gato" (ver o post "A companheira"). Tornei-me, portante, um filósofo ailúrico, um amante da sabedoria que a pretende encontrar através dos olhar de um gato.
Esta é a magia do meu cantinho; ou parte dela.Tem um pequeno montado de sobro, que cuido afincadamente para o livrar da roseira brava, silvas ou vinha. Resultado do labor, há esparsos recantos de jardim e de horta. Tudo biológico. Começa a aparecer, numa excrescência de terreno, um pequeno pinhal em torno do único pinheiro inicialmente existente. Aí perto um pequeno lago com 60 metros quadrados de superfície e a profundidade máxima de um metro onde se desenvolvem nenúfares e caniço do Tejo. É o lar da rã e dos peixes. Estes descendem de um triplo casal adquirido no Horto do Campo Grande, que aí encontraram paz de espírito e alimento para ocupar os tempos vagos em loucas folias amorosas e ocupar cada palmo da água esverdeada com uma mão cheia de descendentes. Não lhes disse "crescei e multiplicai-vos", eles é que entenderam fazer o que mais lhe aprouve. E pelos vistos fizeram-no bem. Um caminho de terra batida serpenteia o interior do terreno: à sombra do arvoredo devém um passeio romântico; no meio do descampado, a "estrada", interrompida a meio com a rotunda de cedros; o conjunto, uma pista de atletismo, mais idealizada que concretizada. Recentemente, o meu filho cadete, que vai fazer quinze anos, acrescentou-lhe uma pista de "dirt jumping", com obstáculos para pôr à prova a resistência da "byke", do seu físico e dos meus nervos.
Depois dos verdes, do lago e dos caminhos, há as propriamente ditas construções. Desde o início, uma pequena casa de 18 metros quadrados, que foi de apoio à agricultura e que agora converti no meu "escritório", uma habitáculo com ferramentas, onde me dedico às actividades de carpinteiro, pedreiro, pintor, electricista, canalizador, etc. Os equipamentos e materiais maiores estão desarrumados no contentor, um gigante de aço corrompido pelo oxigénio e comprado ali para as bandas de Santa Apolónia. Este tem uma história interessante, mas isso são tostões para outro negócio. O furo foi feito há quatro anos e fornece a água para as regas. Finalmente a casa e os muros exteriores, para aí com três anos, que permitiram a fixação no lugar e uma espaçosa cozinha, onde treino as minhas recentemente descobertas perícias de chefe.
Não vou recontar em micro-ondas a história do tremontelo, o tal tomilho selvagem que deu o nome a este "site". Mas andando à cata de nome, veio-nos à ideia de que sítio do tremontelo era nome adequado à finalidade. "Tremontelo", não há que demonstrá-lo pois sobram razões para tal. "Sítio", para além de aparentado com o termo inglês "site", de ascendência francesa, e que se refere ao blog, é também a designação que os brasileiros dão às pequenas quintinhas mantidas no interior, em que os citadinos se refugiam sempre que podem. Evoca-me saudosamente a série da Globo do sítio do pica-pau amarelo, com a Tia Nastácia, a Narizinho, a Emília, Dona Benta Encerrabodes de Oliveira, o Pedrinho, o Visconde de Sabugosa, o Lobisomem, o Saci, a Mula sem cabeça, Boitatá, a Cuca, o Anjinho, o Rabicó e espero não me esquecer de ninguém.
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